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Sacrifício animal na Umbanda pode?


Inicio este texto abrindo a seguinte reflexão:

A cadeia alimentar existe em todas as espécies. O tubarão come o peixe menor, que por sua vez, come um menor que ele. O leão, o rei da selva, alimenta-se da sua caça diariamente.

Esta foi a vontade de Deus, ou não?

O Culto Tradicional Yorubá, serve-se do sacrifício animal, sacro ofício, imolação ou abate religioso, podemos usar muitas expressões para a mesma prática, ha milênios, pois ofertam aos seus Orixás aquilo que é o seu próprio alimento cotidiano. Mas isto não é exclusividade dos cultos africanos. Vajamos:

Em Levítico 1:1,2,3,4, na bíblia temos:

?E chamou o SENHOR a Moisés, e falou com ele da tenda da congregação, dizendo: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando algum de vós oferecer oferta ao Senhor, oferecerá a sua oferta de gado, isto é, de gado vacum e de ovelha. Se a sua oferta for holocausto de gado, oferecerá macho sem defeito; à porta da tenda da congregação a oferecerá, de sua própria vontade, perante o Senhor. E porá a sua mão sobre a cabeça do holocausto, para que seja aceito a favor dele, para a sua expiação?.

Já em Levítico 1:14,15,16,17 teremos:

?E se a sua oferta ao Senhor for holocausto de aves, oferecerá a sua oferta de rolas ou de pombinhos; E o sacerdote a oferecerá sobre o altar, e tirar-lhe-á a cabeça, e a queimará sobre o altar; e o seu sangue será espremido na parede do altar; E o seu papo com as suas penas tirará e o lançará junto ao altar, para o lado do oriente, no lugar da cinza; E fendê-la-á junto às suas asas, porém não a partirá; e o sacerdote a queimará em cima do altar sobre a lenha que está no fogo; holocausto é, oferta queimada de cheiro suave ao Senhor?.

O Natal, quem em outro texto já falamos que foi uma data adaptada no calendário cristão de uma festividade romana pagã, é uma festividade religiosa, onde a família se reúne em torno de um banquete, normalmente com um peru ao centro, para celebrar o nascimento do messias.

Aquele peru não deu em árvore, sabiam?

Será então que podemos afirmar que na igreja católica existe abate religioso?

Os peixes consumidos na sexta-feira santa são abatidos às toneladas para que os católicos façam seu preceito religioso. Estes, também não dão em árvore!

Alguns anos atrás tentaram eliminar a prática do abate religioso nas religiões de matriz africana no Brasil, onde em defesa da livre expressão e prática religiosa afro-brasileira o Dr. Hédio Silva Junior inicia sua sustentação no STF ironizando que aqueles que estavam a favor dos animais em seus discursos, estavam usando sapatos de couro. Silva Junior ainda salienta que o Brasil tem o maior rebanho bovino do planeta, e que a Índia, que não consome carne bovina por preceito religioso, tem o segundo maior rebanho mundial. Engraçado não?

O Brasil abate animais para exportação segundo preceitos religiosos islâmicos (abate halal) e inclusive, para atender ao mercado religioso islâmico, os abatedouros já são construídos com sua área de abate voltada para a principal cidade muçulmana no mundo, Meca.

Alguém pode já estar pensando ao ler este texto: ?mas até agora ele não falou de Umbanda?.

Pois bem, fiz esta introdução para que a mente do leitor esteja já desarmada quanto ao ato religioso de abate animal, pois isto não é exclusividade das religiões afro, repito.

Quanto a Umbanda, devemos buscar as origens de nossa religião, pois mesmo ela tendo sido fundada no Brasil em 1908, hoje em dia, praticamente todos os terreiros cultuam Orixá, tendo na cultura yorubana uma de suas raízes, ou não?

Existem indícios muito fortes, que não podem ser provados, de que Zélio Fernandino de Moraes fazia sacrifício animal na Tenda Nossa Sra. Da Piedade, mas isto não era abertamente divulgado.

Rubens Saraceni, o maior escritor Umbandista de todos os tempos, na página 299 do livro ?Fundamentos Doutrinários de Umbanda? diz: ?O sacrifício de um galo no assentamento do Exu é só uma recomendação. Faça-o quem quiser?.

A kimbanda, a arte de curar, que podemos chamar de ?esquerda da umbanda?, utiliza-se de abate religioso para Exu e Pombagira.

O fato é que o sistema de crenças da Umbanda está em construção e ninguém, absolutamente, ninguém, tem autoridade para dizer se isso ou aquilo pode ou não ser feito em nossa religião. Umbanda é uma religião não dogmática e livre e precisamos ter muito cuidado com o racismo religioso dentro da própria religião.

Eu, durante muito tempo, cheguei a combater a prática de sacrifício animal na Umbanda, por pura ignorância e despreparo, esta é a verdade, até que um dia a própria espiritualidade me ?puxou as orelhas? mostrando-me que o axé do sangue animal é poderosíssimo e não há nenhum tipo de punição da Lei Maior por tal ritualística.

Demagogia dizer que não praticamos o abate animal em respeito à vida enquanto engraxamos os lábios com aquela picanha nos almoços de domingo, ou usamos em nossos pés, sapatos de couro.

Alguns dirão: ?mas eu não mato a animal para me alimentar, eu compro morto já!?.

Quer dizer que quem manda matar uma pessoa é menos culpado do que aquele que foi contratado para matar?

Embora não olhemos por este prisma, nós pagamos o açougueiro para matar o animal para nós. Somos os ?mandantes do crime?, rsrs.

Concluo dizendo que em nossa casa o sacrifício animal é uma prática e que a carne do animal abatido é consumida ou doada.

Respeitemos as raízes da nossa religião e descatolizemos nossas cabeças e mentes, pois muito já foi suprimido da cultura que mais contribuiu para o avanço da humanidade, quer queiram ou não admitir.

Axé!

Marcus Siqueira

Sacerdote de Umbanda.